Passos (com ritmo) para o futuro
- Allan César
- 31 de mai. de 2017
- 3 min de leitura
Hip hop ajuda jovens de Sobradinho a fugirem da violência. Na dança, eles encontram apoio para superar problemas e até mesmo uma profissão

A dança é muito mais que diversão para os alunos do Centro Educacional 04, de Sobradinho II. Em uma cidade com muitos roubos (XXX) e onde o tráfico e o uso de drogas são comuns, o hip hop virou um porto seguro onde os jovens encontram apoio, suporte emocional e espaço para extravasar sua criatividade.
A escola abriga, desde 2014, o Grupo Charadas – considerado um dos maiores grupos da cena underground/Hip-Hop do DF, premiado nacional e internacionalmente.
Criado em 2003 pelo Bboy e rapper Luiz Fernando Magalhães (25), o grupo nasceu sem maiores pretensões. Na época, Magalhães cursava o ensino médio e queria apenas dançar com os amigos. Mas o talento do Charadas ultrapassou os limites de Sobradinho e ganhou o mundo. Em 2014 e 2015, eles foram o único grupo de dança brasileiro a passar na peneira do disputadíssimo concurso Faites Danser Le Mondé (Faça o mundo dançar), realizado em Paris, na França. Em 2014, eles ficaram em quarto lugar. Em 2015, subiram para segundo e, na próxima edição do concurso – prevista para este ano – querem ser os campões.

Magalhães conta que já passou inúmeras situações que o fizeram pensar em desistir, como até dormir na rua: “Minha família ficou 18 dias na rua por problemas de loteamento com o meu vizinho e acabamos sendo despejados, durante esse tempo eu continuei a dançar, a ir trabalhar e estudar do mesmo jeito. O que me deu foças foi a dança, o grupo, estar cuidando de outras pessoas.” Explica Luiz.
Em uma dessas idas à França, Magalhães conheceu a psicosocióloga Joëlle Bordét que o apresentou ao projeto Jovens, desigualdades sociais e Periferia (Juenes, inégalites, cociales et périphéie). O objetivo do projeto é resgatar jovens em situação de risco através da dança. Os dois firmaram parceria e hoje desenvolvem projetos de dança em duas escolas da capital federal: o CED 04 e o Centro de Ensino Fundamental 05, ambos de Sobradinho. Fátima Sudbrack, psicóloga brasileira e amiga de Joëlle, é intermediadora entre o grupo e a psicosocióloga.
Bboy – nome que significa break-dancer ou dançarino de break.
CAÇA-TALENTOS
Para a coordenadora de Educação Integral do CED 04, Sara Cunha (40), o Charadas atua como um agente informal no processo de educação dos alunos, aconselhando, orientando e ainda descobrindo possíveis talentos.
"Eles orientam nossos adolescentes para uma consciência tanto corporal como social", explica a coordenadora educacional da escola, Sara Cunha. "Essa oportunidade de conviver com pessoas que são exemplos de superação e luta para a construção de uma sociedade melhor".
Ainda de acordo com Sara, a dança funciona como um resgate para jovens em situação de risco, tirando-os das ruas e envolvendo-os em uma atividade saudável. “Por meio da dança, o aluno ainda pode descobrir potencialidades que, até então, não eram conhecidas e passam a ser desenvolvidas”, conclui.
Atualmente atendendo 227 alunos, a oficina é uma das mais procuradas na escola. “Geralmente eles se matriculam na escola integral só para pegar aulas de dança”, diz a Bgirl Natália.

DESAFIOS
Apesar de ser um sucesso, nem tudo são flores para o Charadas. O grupo já passou muitas dificuldades, como falta de patrocínio, discriminação pouca aceitação dos pais dos alunos. “Muitos pais não deixavam os filhos vir ensaiarem todos os dias. Diziam que dança não iria leva-los para lugar nenhum”, conta a b-girl Natália Gonçalves (22).
Aluna do CED 04 e integrante da segunda base do Charadas, Gabriela Hirbs (17) sente-se extremamente grata aos componentes do grupo. “Eles são como uma família para mim”, elogia. Ao ser questionada sobre quais mudanças a dança trouxe para sua vida, Gabriela responde com entusiasmo:
– “Várias! Depois do projeto eu posso dizer que sou uma pessoa melhor. Aprendi a conviver em grupo, a ter respeito, admiração e gratidão ao próximo. Aprendi a pensar diferente, ver o mundo de outra forma. Mudei muito, tanto internamente quanto externamente. Sem esquecer que eu aprendi a dançar nesse projeto, uma coisa que eu queria muito e não achava que era capaz. Eu também fazia muita coisa errada que hoje não faço mais, por conselhos que ouvi através do projeto, não tinha uma boa convivência com os meus pais e hoje tenho graças ao projeto, e várias outras BOAS mudanças e muito significativas pra mim.”
Com vários planos para o futuro, o Charadas pretende levar o projeto para outras escolas do DF, sempre com o intuito de mostrar a arte e ajudar mais jovens em sua evolução pessoal e coletiva.
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