E em se aposentar, já pensou?
- Fabiana Silva
- 31 de mai. de 2017
- 6 min de leitura
Independente da Reforma da Previdência ser aprovada ou não, especialistas reforçam a importância de o jovem pensar no assunto.

Bryan Andrew, 17 anos, começou a trabalhar no Batalhão de Polícia de Santo Antônio do Descoberto, em Goiás, há pouco mais de um ano. Ele queria independência financeira e a garantia de um futuro melhor. Menor aprendiz, ele usa metade de seu salário para comprar o que gosta e a outra metade entrega para a mãe, que abriu uma poupança para ele usar no futuro. Dona Rosângela acredita (com razão) que os jovens precisam começar a pensar logo na aposentadoria. Afinal, quem vai querer trabalhar até o fim dos seus dias?
Se a reforma da previdência for aprovada como está, Andrew completará o tempo de contribuição (veja quadro) aos 57 anos. Mas para se aposentar com o valor integral, terá de trabalhar por mais oito, até alcançar a idade mínima de 65 anos. Parece muito, não é mesmo? Andrew não gosta. Ele se preocupa com o assunto e defende que, depois de trabalhar mais de 40 anos, não terá disposição para aproveitar o dinheiro da aposentadoria. “Vou morrer de comprar remédio. Já viu um idoso de 65 anos sem tomar remédios?”, questiona o menor aprendiz.
Enquanto Andrew se preocupa com o dinheiro que irá receber, o governo teme não conseguir pagar os benefícios dos atuais e futuros aposentados. Por isso, sucessivos presidentes defendem a necessidade da reformar a previdência. Os argumentos utilizados são três: a) a população brasileira está passando por um processo acelerado de envelhecimento, ou seja, têm mais pessoas para se aposentar do que contribuir; b) a queda da taxa de fecundidade: menos pessoas estão nascendo, e isso significa menos trabalhadores para contribuir com a Previdência; c) a qualidade de vida da população melhorou, permitindo que as pessoas vivessem mais.
Dito isso, vamos refletir um pouco: as pessoas estão vivendo mais? Sim, estão. Segundo o IBGE, a expectativa de vida dos brasileiros aumentou de 55 para 75 anos nas últimas décadas. E quanto à qualidade de vida? A técnica em Seguro Social do INSS, Andreza Santos, diz que ainda existem “muitos trabalhadores sujeitos a relações de trabalho precárias, informais e terceirizadas”. Para ela, o Estado precisa abrir um diálogo com a sociedade e representações sociais, e juntas chegarem a meios aceitáveis “que possam garantir os direitos e tomar cuidado para não minimizá-los”.

TEM ROMBO OU NÃO TEM?
Um argumento bastante usado para dar base à reforma é de que a Previdência está com um rombo no orçamento, ou seja, as despesas estão sendo maiores que a arrecadação. Mas, o vice-presidente de Seguridade Social da Associação Nacional de Auditores Fiscais da Receita Federal (Anfip), Décio Lopes, não aceita a justificativa e argumenta: “todas as reformas vêm para restrição de direitos”.
Ele explica que a previdência, juntamente com a saúde e a assistência social, fazem parte de um sistema maior: a Seguridade Social. Baseado em estudos que a Anfip e Fundação Anfip fazem sobre a Previdência Social desde a Constituição de 1988, o vice-presidente afirma: “por não haver um déficit nesse sistema, também não há na Previdência”. Vamos entender esses números? A última análise da Seguridade Social, publicada pela Anfip em agosto do ano passado, defende que “mesmo com uma crise econômico-financeira, a Seguridade Social apresentou resultados positivos”. O texto mostra que a Seguridade Social teve lucro de R$ 11,2 bilhões, já que arrecadou R$ 694,231 bi e gastou R$ 683,061 bi com as despesas.
Décio Lopes é um dos autores dessa análise, e defende que o governo desconsidera alguns bilhões de reais de arrecadação e aumenta as despesas com setores que não fazem parte da Previdência, para justificar o discurso deficitário.
A Anfip também considera outros pontos para reforçar que não existe déficit na Previdência. A Desvinculação de Receitas da União (DRU) é um mecanismo, previsto na Constituição, que permite ao governo retirar 20% dos tributos federais para resolver problemas de despesas de outras políticas públicas. A Anfip alega que essa retirada prejudica o orçamento da Seguridade Social, pois esse valor não tem real interesse para resolver problemas, e sim aumentar os discursos a favor das reformas.
Outro ponto envolve a retirada de recursos de diversos órgãos, que poderiam ser usados para pagar os benefícios, como o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Com esses argumentos, a Anfip já deixou bem claro que defende uma previdência sem déficit. Mas e a Secretaria da Previdência, o que tem a dizer?
SEM CONSENSO
Os documentos apresentados pela Secretaria da Previdência mostram que o déficit em 2016 foi de R$ 227 bilhões de reais, maior que os R$ 158,3 bilhões de 2015. Esse documento ainda mostra que as despesas da Seguridade Social foram de R$ 793,7 bilhões, bem maiores do que as apresentadas pela Anfip. Em relação à arrecadação, a Secretaria da Previdência relata o valor de R$ 627,3 bilhões. Parece complicado não é? Os dados dos órgãos diferem muito.
A Secretaria explica que órgãos como a Anfip, ao fazerem o cálculo, excluem os salários dos servidores públicos. Argumento? Eles possuem regime próprio e não precisam do dinheiro da Previdência. E no que diz respeito à DRU, a Secretaria justifica que essa retirada não faz falta, já que o dinheiro acaba voltando para cobrir o déficit da Seguridade.
O doutor em economia Paulo Kliass explica que “o orçamento da previdência social é definido pela Constituição no Regime Geral de Previdência Social (RGPS), sistema movido pelo Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS)”. Kliass diz que, devido à crise financeira do Brasil, é normal a arrecadação oscilar. Especialmente porque há muitas pessoas desempregadas, sem contribuírem. Diante disso, a partir de 2015, a Previdência passou a apresentar o que a gente chama não de déficit ou prejuízo.
Existe, no entanto, a necessidade de financiamento (aumento de aportes), o que não ocorre em situação de desemprego.
Ele defende que, ao longo do tempo, é preciso mudar para manter o equilíbrio do orçamento, mas não de maneira drástica, de um ano para o outro. É uma mudança a médio ou longo prazo, onde as regras devem ser discutidas com a sociedade: “Isso demanda uma grande articulação social, muito debate e convencimento, porque você tem os trabalhadores, os empregadores, os já aposentados. É preciso fazer um grande acordo entre eles, e essa proposta que veio é um antiacordo”, explica Kliass.
O economista questiona a PEC da Previdência. Para ele, a proposta tem apenas o objetivo de “solucionar o problema da previdência com uma única visão: cortar despesas, porque se parte do princípio de que a receita não pode ser aumentada”. Nesse ponto, Kliass é otimista:
“Em algum momento a economia brasileira vai voltar a crescer, porque não ficaremos em recessão eternamente, e vai crescer também a receita previdenciária, voltando a equilibrar o sistema”.
Paulo Kliass
ESTÁ NA HORA DE PENSAR A RESPEITO
O presidente do Conselho Superior de Economia, José Luiz Pagnussat, diz ser preciso reformar para as despesas caberem no orçamento da previdência. Mas ele afirma que alguns pontos da reforma são exagerados; outros estão de acordo com a situação atual do Brasil.
Pagnussat concorda com o aumento da idade mínima, pois “hoje quem chega à aposentadoria tem uma expectativa de vida média de 87 anos. Então fica muito tempo por conta da aposentadoria, e isso não comporta no orçamento”. Segundo o presidente, a previdência usa mais de 50% dos recursos da Seguridade, e isso acaba prejudicando as outras políticas públicas, como a saúde.
Caso a reforma da Previdência seja aprovada, Pagnussat acredita que muitas pessoas vão se aposentar antes de completar o valor integral da aposentadoria. Então é preciso pensar em outras formas de guardar dinheiro para a velhice, assim como a dona Rosângela guarda metade do salário do Andrew. Para o presidente, os jovens precisam se preocupar com a aposentadoria.
Décio Lopes, vice-presidente de Seguridade Social da Anfip, concorda e defende: os jovens têm um olhar negativo sobre a Previdência. Para ele, a solução é “criar programas de mídia que valorizem o órgão e incentive os jovens a procurar entender como funciona”. Segundo o vice-presidente é preciso pensar na velhice, pois o futuro começa hoje.
O TEMPO NÃO PARA
E você, jovem, já começou a pensar na sua aposentadoria? Ou continua achando que não está na hora ainda? Se você se encaixa na segunda situação, eu sinto muito informar, mas – como dizia Cazuza – o tempo não para.
E realmente não parou para o agricultor João Benício dos Santos, de 82 anos, que não se aposentou e lamenta por não ter esperança de algum dia conseguir. Benício não atendeu às exigências nas regras da Previdência para a aposentadoria, e passou a receber o Benefício de Prestação Continuada (BCP) – assistência da Seguridade Social para idosos a partir de 68 anos, de baixa renda, sem o amparo da família. A bolsa, de um salário mínimo, é suficiente apenas para comprar a comida do mês.
As despesas da casa, com roupas ou remédios são bancadas pela filha. Mas e se algo faltasse para ela?
São histórias como essa que fazem Décio Lopes, da Anfip, aconselhar os jovens a não dependerem deste auxílio. Além de baixo, ele não conta com décimo terceiro e nenhum outro benefício.
“A previdência é um assunto que deve ser sempre debatido e levado em consideração por todos os jovens, pois a velhice é certa, a menos que a pessoa morra”, afirma Lopes.
Ele ainda conscientiza os jovens da importância de se preocupar com a aposentadoria enquanto é cedo: “se o jovem tem capacidade e competência para se estabelecer, não despreze a previdência, pois ela fará falta no futuro”.
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